Pelos dados
do IBGE, quando Jango assume a presidência, em setembro de 1961, encontra um
Brasil com 70.779.352 habitantes, 39,5% de analfabetos, distribuídos nas faixas de
15 a 69 anos. Da população estudantil, 5.775.246 alunos estavam matriculados na
rede do ensino primário, 868.178 no ensino médio, 93.202 no ensino superior e
2.489 nos cursos de pós-graduação. Esses dados revelam claramente a extensão do
afunilamento da estrutura educacional brasileira: menos de 15% da população
estudantil do ensino primário passava para o ensino médio; quase 2% da rede
primária chegavam ao ensino superior e apenas 0,5% à pós-graduação!
Esses dados
são uma boa pista para tocarmos em três pontos que traduzem a atmosfera do
governo Jango na área da educação: a discussão
apaixonada com relação à escola pública; os programas de alfabetização de adultos pelos movimentos
sociais; e a questão dos "excedentes" – o grande problema do ingresso ao ensino superior.
A discussão
inflamada sobre a escola pública é, em verdade, a retomada da bandeira do Movimento dos Pioneiros
da Escola Nova que, na década de 1920, defendia a
democratização do acesso à educação e a montagem de um sistema de âmbito
nacional que garantisse aos cidadãos o direito à escola pública, laica,
obrigatória e gratuita. Essas preocupações são consubstanciadas em 1932, com o
lançamento do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nacional.
Portanto, quando em 1959, os educadores voltam à cena para
lançar o segundo manifesto – "Uma vez mais convocados" – estão sintonizados
com uma luta antiga, cujo eixo era, uma vez mais, o direito à escola pública,
obrigatória, laica e gratuita. O debate, desta feita, ficou concentrado em duas
lideranças nacionais: pelo lado da defesa da escola pública, Darcy Ribeiro;
em defesa da escola privada, o deputado Carlos Lacerda. A
imprensa da época registra a veemência desta polêmica, com cartas trocadas,
convicções assinaladas, de lado e outro, e acaloradas acusações de parte a
parte.
A Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, promulgada em dezembro de 1961, acaba
dando ganho de causa à emenda de Carlos Lacerda, segundo a qual deveria ser assegurado às
famílias o direito de escolherem a melhor escola para seus filhos, fosse
pública ou particular. Nessa perspectiva, a União deveria dar subvenção e
financiamento não apenas aos estabelecimentos das redes públicas
estaduais e municipais, mas também àqueles mantidos pela iniciativa privada, para compra, construção ou reforma de prédios
escolares, instalações e equipamentos.
A
mobilização em prol da educação atravessou a década de 1960, e os movimentos
que ali fermentaram dão bem o tom do período histórico que teve Jango como
presidente. A esquerda participou ativamente deste movimento, cabendo à União Nacional dos
Estudantes (UNE) liderar grande parte do programa pedagógico,
centrado na conscientização política e na mobilização social. Seu principal
instrumento foram os Centros Populares de Cultura (CPCs), criados em 1961,
com o intuito de levar teatro, cinema, artes plásticas, literatura e outros
bens culturais ao povo. Também centrados nos mesmos objetivos de ampliar o
universo cultural dos segmentos populares brasileiros, os Movimentos de Cultura Popular (MCPs)
receberam influência da esquerda
cristã. De todos esses movimentos, o Movimento de Educação de Base (MEB) foi o que
esteve mais diretamente vinculado à Igreja Católica, à Conferência
Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), embora mantido economicamente pelo
governo federal. Iniciou seus trabalhos de alfabetização em 1961 e dirigia-se
igualmente às classes trabalhadoras, com o objetivo de ampliar o universo cultural e educacional de
amplos segmentos da população.
Mas falar de
educação no período Jango é lembrar também a expressão intelectual de maior
vulto à época, o educador pernambucano Paulo Freire. Associada à alfabetização de
adultos, sua "pedagogia
da libertação" – expressão exemplar da crença no poder libertador
pela consciência e pelo conhecimento –percorreu o Brasil e toda a
América Latina. A educação seria o instrumento mais eficaz de difundir a
idéia-força de que o homem não deveria se contentar com a condição de
"objeto" da história: sua vocação era ser "sujeito". O mote
"Todo
ato educativo é um ato político" é a síntese de todo um
esforço de conscientização pela educação que o método Paulo Freire pretendeu
universalizar. Sistematizado em 1962, quando Freire lecionava na Universidade Federal de Pernambuco,
seu método
de alfabetização de adultos ficou conhecido por combinar conquistas da teoria da
comunicação, da psicologia e da didática, por não utilizar as
tradicionais cartilhas e por defender a necessidade de se produzir o material
para o ensino a partir da fala de cada grupo de analfabetos. O sucesso obtido
pelo método nas primeiras experiências desenvolvidas em Recife, no âmbito do
MCP, propiciou sua difusão. Em 1963, foi utilizado em Angicos e Natal (RN),
Osasco (SP) e em Brasília. O ambiente do início da década de 1960 foi propício
ao seu desenvolvimento, e o governo Goulart, um receptáculo estimulante para
seu acolhimento. Com o golpe de 1964, Paulo Freire exilou-se e a prática de seu
método foi proibida no país, apesar de seus livros continuarem a ser editados e
vendidos livremente.
Finalmente,
a questão dos "excedentes". O número de alunos das universidades
brasileiras vinha se expandindo enormemente nos últimos vinte anos. A partir
dos anos 1940, o crescimento da matrícula no ensino superior foi vertiginoso:
152,8%, de 1940 a 1951; 78% de 1951 a 1960, e 57%, de 1960 a 1964. Não obstante
essa elevada taxa de expansão, a procura pelo ingresso no ensino superior não
era nem de longe atendida. Anualmente, as universidades indicavam o número de
vagas, de acordo com a disponibilidade de professores, espaço para salas de
aula e equipamento disponíveis. Portanto, não eram consideradas nem as
necessidades da sociedade, nem a capacidade dos alunos em ingressar. Os alunos
que ultrapassavam as possibilidades de absorção das escolas ficaram conhecidos
como "excedentes". A bandeira dos excedentes foi um dos pontos de
discussão nos anos que antecederam a reforma universitária que só seria
completada em 1968, já sob o regime militar.
Helena Bomeny
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